Palestrante Especialista em Liderança

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Lembranças da terra

Era o planeta azul, um dos mais lindos, dois terços de água, um terço de terra, seres de todos os tipos, negros, brancos, amarelos, vermelhos, fauna, flora, vida e alimento em abundância. De guerra em guerra foi desaparecendo a vida na Terra. Por Jerônimo Mendes

Por Jerônimo Mendes

- Mestre! O que significa aquele ponto cinzento à direita? Parece uma estrela meio apagada, às vezes aparece, às vezes não. Existe vida lá?

- É o planeta Guerra, quer dizer, o que restou da Terra, onde a vida foi concebida há milhares de anos.

- Não brinca, mestre, existia vida num lugar assim? Como poderia ter vida num local sem brilho qualquer? Por quê se chama Guerra?

- Hoje não brilha, brilhou no passado. Era o planeta azul, um dos mais lindos, dois terços de água, um terço de terra, seres de todos os tipos, negros, brancos, amarelos, vermelhos, fauna, flora, vida e alimento em abundância. De guerra em guerra foi desaparecendo a vida na Terra.

- O que são fauna e flora?

- É difícil explicar. Quando o dia amanhecer posso te mostrar algumas imagens da época em que havia animais interessantes, exóticos, árvores frondosas, flores, frutos, água potável e ar puro. Um verdadeiro éden.

- Éden?

- Isso mesmo, o paraíso, onde era possível viver boa parte da vida sem se preocupar com o futuro. Havia sustento para todos, desde que fosse cultivada a consciência na preservação do solo, dos rios e das florestas.

- O que é consciência?

- É o que falta no período da fartura e sobra no período da escassez. Naquele tempo era a capacidade dos seres humanos em atribuir certos valores e mandamentos morais para determinadas situações. Foram cultivados no início e se perderam com a evolução.

- O que são valores morais, algum tipo de troféu ou conquista?

- De certa forma, sim. Hoje isso não tem a menor importância, os remanescentes voltaram ao tempo das cavernas, tornaram-se verdadeiras feras no estado absolutamente primitivo em busca de sobrevivência.

- Que fim levaram as criaturas da Terra?

- Espalharam-se pelo cosmos. Não há mais resquício de vida. O planeta foi duramente castigado pelo homem. Eram mais de dez bilhões no século XXII. No início do século XXI um físico inglês afirmou que em 2600 não haveria mais espaço na superfície do planeta e os homens viveriam ombro a ombro. Ninguém levou a sério, mas ele estava certo. Uma parte conseguiu migrar para outros planetas em busca de novas opções.

- E os que ficaram na Terra, mestre? O que aconteceu com eles?

- Não suportaram as doenças e desapareceram. A grande maioria virou canibal. Dezenas de colônias foram criadas no espaço, poucos resistiram. A lua foi plenamente habitada, porém a falta de água e de ar não permitiu a perpetuação da espécie humana. Marte e Júpiter abrigam algumas legiões de humanos em estado primitivo. Os demais planetas se mostraram inviáveis para o cultivo do solo e a preservação da espécie.

- E o que houve com a consciência dos humanos?

- Depois de alimentar a ganância, a intriga, a intemperança, o ódio, o desamor, o orgulho, a desconfiança, a indiferença, a concorrência, o acúmulo de bens e dinheiro, o prazer do sorriso diante da desgraça alheia, a falta de escrúpulos e de solidariedade, acabou desintegrada, literalmente.

- E a sabedoria dos mais velhos?

- Os sábios foram ridicularizados, entregues à própria sorte. Nada era permitido além da própria morte na plenitude da vida. A prioridade era a sobrevivência dos mais jovens. Os velhos foram transformados em sinônimo de preocupação, um problema a mais na distribuição de ração e água, portanto, acabaram eliminados pela fome.

- E os líderes, mestre, os governantes?

- Optaram pela lei do mais forte. Não havia trabalho para todos e a Terra transformou-se numa única empresa, uma espécie de mega fusão hierarquicamente constituída com o líder supremo, dezenas de conselheiros, centenas de diretores, milhares de gerentes, bilhões de escravos à disposição da burguesia, os chamados colaboradores do mundo globalizado.

- Puxa, mestre, que loucura!

Os famosos alcagüetes resistiram pouco tempo antes de serem aniquilados pelos concorrentes. Em 2500 o mundo já estava universalizado, uma versão avançada do mundo globalizado.

- Os homens acreditavam em algo? E aquele livro que o Senhor guarda com tanto carinho debaixo do velho baú no interior da caverna?

- Alguns acreditavam, filho! Aquele livro que você vive sondando foi o mais lido na face da Terra por milhões de pessoas. É o único exemplar que restou. Deram-no o nome de Bíblia, um conjunto de livros sagrados escritos nos primórdios da humanidade. Muito da sabedoria divina está reunida nele e foi escrito por todos os que lutaram por uma causa única: a vida através do amor e do perdão.

- O que quer dizer sagrado?

- Algo digno de veneração e respeito, que fala por si só, cujos preceitos são válidos para todos os indivíduos, não importa o credo. O que não faltou na Terra foi religião e guerra. Por causa da intolerância muitos morreram ou viveram sem entender nada.

- Por quê o Senhor ainda guarda o livro, mestre?

- Para dar uma nova chance aos homens, longe da Guerra, digo, da Terra. Haverá de ser útil numa outra dimensão, além de poupar anos de entendimento e discussão infrutífera.

- Seria por acaso Urano ou Netuno?

- Estão muito próximos, podem ser contaminados facilmente. A renovação será feita na superfície de Plutão com alguns recursos mínimos para suportar o frio e a fome. - Plutão é muito longe, mestre. Como ser feliz num lugar desses?

- O homem pode ser feliz em qualquer lugar. O tamanho da sua felicidade é proporcional ao tamanho do seu coração. Os homens nunca foram felizes por inteiro, pois desejaram mais do que o necessário para sobreviver e não souberam compartilhar.

- Como pretende mudar a consciência? E o livre arbítrio?

- Continuará sendo propriedade exclusiva do homem, mas em Plutão a necessidade de calor humano e a luta pela sobrevivência haverão de aquecer a frieza do seu coração.

- Será que vale a pena formar uma nova consciência? Estamos em 3013.

- Tudo vale a pena quando a alma não é pequena, dizia o Pessoa. Lembre-se que o tempo não se mede, apenas se vive. Prepare-se para visitar Plutão.

- Mestre, estamos tão bem aqui, perto do sol. Quanto tempo pretende ficar lá?

- Sete dias, no máximo. Quero fazer algumas melhorias para um bom recomeço, uma nova chance à vida. Na situação de penúria em que se encontra, não creio que o homem queira desperdiçá-la outra vez.

- Mestre, seja feita a vossa vontade!

Jerônimo Mendes é administrador, escritor e palestrante. Mestre em Organizações e Desenvolvimento Local pela UNIFAE-PR. Autor de “Oh, Mundo Cãoporativo!” e de “Benditas Muletas”.

Site: www.jeronimos.com.br



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