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O estado sou eu

Desrespeitar uma lei, corromper, não é a melhor forma de se posicionar contra alguma regra. O Brasileiro fez aquela cara de quem diz "Pare com essa conversa!!!". Por Marcelo Amaral

Por Marcelo Amaral

Voltei a encontrar o meu ex-colega de escola Levi Andrade Brasileiro. Ele estava indignado por ter levado uma multa, por excesso de velocidade, na Avenida dos Bandeirantes, em São Paulo.

- É palhaçada! 70 km de limite de velocidade na Bandeirantes é muito pouco. No radar deu que eu estava a 100 por hora. Sou obrigado a andar que nem aqueles tiozinhos caquéticos, agora? Não dá, cara.

Como sei da grande inclinação do Brasileiro para a canalhice, provoquei perguntando se ele iria pagar a multa. A resposta:

- Nem a pau!!! Não sou idiota de pagar uma coisa dessa. Meu sogro conhece gente lá no Detran. É só dar uns R$ 100 para esse esquema aí do meu sogro, que os caras apagam todas as minhas multas. Vai sair bem mais barato, a multa que eu levei na Bandeirantes é uma facada, mais de R$ 500.

Não consigo mais ficar calado diante de posturas corruptoras. Falei que ele sabia do limite de velocidade na avenida. As placas indicativas são bem visíveis. Não há desculpa. O Brasileiro logo me interrompeu:

- É pouco! 70 km é ridículo! Não aceito isso!!!

Argumentei que desrespeitar uma lei, corromper, não é a melhor forma de se posicionar contra alguma regra. O Brasileiro fez aquele gesto característico com a mão, colocando a cabeça para o lado, a testa franzida e os olhos meio fechados, querendo dizer "Pare com essa conversa!!!".

Continuei a minha explanação. Sugeri que ele, estando descontente com as normas de trânsito, procurasse os seus representantes, o vereador e os deputados – o estadual e o federal. Diante deles, poderia reivindicar mudanças. Propus também outra alternativa. Que ele juntasse outros motoristas e fizesse um protesto contra o limite de velocidade nas ruas de São Paulo. O Brasileiro, já meio irritado, reagiu:

- Ninguém faz isso no Brasil! Por que eu tenho de fazer! Isso dá trabalho. Além disso, político é tudo safado. Não votei em ninguém para vereador, deputado, essas coisas. Só me lembro de ter votado no Maluf. Não quero nem saber: pago lá o esquema do Detran e me livro da multa.

"Só político é safado? Honesto é quem corrompe funcionários públicos para escapar de multas de trânsito", disparei com todo o meu veneno. O Brasileiro fez uma cara enfezada. Mesmo assim, prossegui. Contei que um ex-chefe meu, português, me disse que uma vez a população de Lisboa ocupou uma ponte, para protestar contra o aumento do valor do pedágio cobrado naquela ponte. O governo – não sei de que nível – desistiu do reajuste. E é comum os portugueses pressionarem os políticos em diversas situações. Enfatizei que é assim que funciona numa democracia. A democracia dá trabalho mesmo. As coisas demoram. Mas temos de pagar esse preço se quisermos evoluir como sociedade. O Brasileiro foi veemente:

- Chega desse papo! Cumpro a lei quando me interessa!

Percebi que não deveria mais continuar o papo. Desviei o assunto para outros temas, como futebol. No caminho de volta para casa, lembrei de um político com quem o Brasileiro certamente se identifica. É o vereador José Nogueira – do PT – de São Paulo. A TV Globo fez um reportagem mostrando que alguns vereadores paulistanos usam, ilegalmente, placas de bronze nos carros para poderem circular nos dias de rodízio de automóveis na cidade. A Presidência da Câmara dos Vereadores solicitou a devolução dessas placas. Mas muitos vereadores não atenderam ao pedido. O repórter da Globo entrevistou alguns deles. O José Nogueira respondeu que não iria se desfazer da placa. "Não devolvi e não vou devolver. Por que agora eu, o Nogueira, tenho de cumprir a lei?", declarou. O Brasileiro vibraria ao ouvir uma coisa dessas.

Marcelo Amaral é jornalista.

E-mail: marcelo@marceloamaral.com.br

Site: www.marceloamaral.com.br



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